Marketing de Cinema 2023

Em Londres, participei de um workshop com o mitico DovSSSiemens 

sobre ‘produção de cinema indie (independente).  Lá na platéia conheci (em 1995) 

um roteirista ingles que estava terminando um roteiro de ação e aventura.  

Me apresentei como estagiário do European Script Fund, e que estava aprendendo 

a relação da criação de roteiro com o marketing do filme pronto para um público.  


O ingles então me surpreendeu se apresentando:

“oi, sou Mr Londoner, estou trabalhando num filme de ação e aventura que vai ser exibido

na ZDF (televisão alemã equivalente a tv Globo no Brasil) meu filme vai passar depois 

da meia-noite porque tem cenas bem ousadas…” Fiquei impressionado.

Aí perguntei para ele: ‘você fala alemão bem?’ Não. 

Ué fiquei piscando os olhos tentando entender:  ‘você conhece algum diretor da ZDF’ 

Oh no, não conheço – me respondeu.  

Então como você afirma que o seu pacote de páginas vai virar um filme exibido em alemão ? ‘estou planejando o filme desde o roteiro’. Minha resposta foi um completo ‘ahhh’.


Algumas horas de explicação do workshop depois pensei ‘oh yes, sure!’ E vou fazer uma

apresentação do que aprendi lá sobre a dinâmica criação e produção de cinema europeu.


Um dos materiais do workshop com Dov foi o texto de apresentação do Channel Four

– que na época foi um dos maiores compradores de cinema de autores iniciantes –

fazendo uma panorâmica do processo industrial de criação e comercialização de um filme

de entretenimento:


“ Um produtor independente tem uma idéia para um filme.  

Compra os direitos do livro  que originou a história e depois contrata um roteirista para escrever um resumo da história e então um roteiro completo.  Ele se aproxima de uma casa de produção, televisão, distribuidora de filmes, agente de vendas de filmes no mercado internacional, buscando financiar transformar seu projeto de produto cultural em uma mercadoria. Entretanto TODAS AS SUAS CHANCES DE SUCESSO dependem exclusivamente do foco que o roteiro de seu filme evoca alcançar um público-alvo (cada vez mais) especifico:


Será que satisfaz as necessidades da emissora ou casa de produção, se encaixando na sua área de atuação junto ao mercado, em termos de custo, tempo de produção, imagem?


Será que satisfaz o futuro público-alvo que vai consumir o filme ?


Será que se encaixa numa grade de programação da emissora ?


Detalhadas pesquisas indicam que a duração e tempo de produção para uma possível janela de programação afetam os números, as idades e a mistura social dos espectadores projetados.


Para forjar um deal uma negociação de venda para financiar a produção de um filme, ao produtor se requer flexibilidade para responder às exigências: do diretor de aquisição da emissora, da casa de produção, do mercado e até dos espectadores.”


(Channel 4 – guidelines on Tv & Cine production. 1995).


Hoje noto que o peso dos espectadores aumentou muito na forma de se realizar filmes.


De volta ao Rio, tem se tornado um pouco comum ouvir das pessoas que estão ‘espectadoras’

me perguntar ‘fazer cinema, será que isso dá dinheiro ?”


A primeira dificuldade parece vir de uma separação, da percepção que o criativo e o comercial são aspectos separados da obra filme. Como são atividades diferentes, com regras e modelos 

as vezes incongruentes, realmente fica mais dificil perceber a continuidade…

Mas não se deixe enganar: separar hemisfério esquerdo do direito pode ajudar a discriminar

especificidades, mas se não estiverem funcionando juntas… a pessoa não está viva né ?


Então, precisamos explicar para entender como que conversam entre si, como se dá 

a integração dos diferentes sistemas de valor, daqueles que decidem quais temas investigar, 

quais temas criar e produzir conteúdo para os outros que avaliam projetos e fazem projeções, que escolhem o que divulgar e o que vai ficar disponível para alguém assistir.


A maior potência economica da produção de cinema hoje é a indústria norte-americana.  

Grandes e pequenas companhias produzem grande parte dos filmes que assistimos em todo o planeta. Existe uma estrutura comercial de produção extremamente bem integrada com um sistema

de distribuição.  Muito mais do que salas com uma camera, são grupos de técnicos especializados que COLABORAM para criar, produzir, distribuir e exibir audiovisual.

Passaram da fase de serem fábricas para serem conglomerados multinacionais.


Históricamente, houve uma grande mudança de perspectiva no mercado internacional quando o diretor da Motion Pictures Jack Valenti fez um discurso no ShoWest 1997, afirmando:


“…fico intrigado e frustrado – quando os críticos acreditam que – a arte e comércio são incompativeis…”


“… uma nova geração de cineastas (está surgindo) em (vários países)…  que estão interessados em fazer filmes com apelo comercial… (outros pensam que) … o crescimento da indústria local faz pressão contra os norte-americanos… (entretanto nossa pesquisa revelou que )

quando os filmes nacionais vão bem, se expande o mercado consumidor de cinema (para todos os envolvidos no mercado cinematografico (aumenta o total de pessoas nas platéias, o que… )

… expande também as vendas do cinema norte-americano (e muito também)…”


Estive na Europa quando estavam pondo em prática as indicações de um estudo sobre

‘como a indústria norte-americana produz blockbusters ? (Europa Europa de Martin Dale).

E um bom resumo seria apontar como objetivo ‘a expansão de audiência’, 

certo, claro, mas… ahan… mas o que você quer dizer com ‘expansão de audiência’?


Vou responder com o que o meu amigo portugues chama de ‘básico para abrir uma padaria’:

intuitivamente entendemos que ‘audiência’ é o público consumidor, que percebendo valor

no cartaz ou na notícia do filme vem comprar o pão… digo o bilhete do filme para assistir. 

Então seguindo a lógica, vamos poder vislumbrar que todos os negócios comerciais querem atrair consumidores para seus produtos e serviços; e que o sucesso comercial depende de que os números casem, que a oferta tenha uma relação com a demanda; de que os custos sejam pagos pela venda e que (preferencialmente) sobre um pouco mais de $ para podermos fazer o filme número 2.  Ou o brioche, ou o doce de maçã…


O que pode confundir na frase é a idéia de ‘expansão’ da audiência. Se eu já vi o filme, 

a audiência não vai ser maior… você pensaria e está Certo!


Assim que, ao invés de fazer uma metáfora, vou levar você para um outro lugar onde a situação é idêntica a da produção de audiovisual, mas a literatura acadêmica é muito mais fácil de entender: vamos visitar o museu.  


Museus tem exposições, que atraem públicos muito especificos. Professores trazem alunos.

A exposição foi um sucesso, porque os alunos que a visitaram passaram no vestibular!

Para um museu, “expandir a audiência” é ter mais visitantes.  Há um par de décadas começou

um movimento de se ter uma loja de lembranças e um café no museu… por quê ?

Para aumentar mais um tanto o número de pessoas – agora criando hábito.

O público inicial, de professores e alunos é o que vamos chamar de público-alvo; por exemplo:

a exposição de Louis Braille atrai deficientes visuais para conhecer o criador do método para leitura tátil.  Houve um evento para o lançamento do livro de Ferreira Gular poeta, em braille – atraindo um segundo tipo de público ‘interessados em poesia’ e em ‘braille’.


Até um tempo atrás, antes do youtube e dos streamers, filmes tinham uma única vida como produtos: serem exibidos em salas de cinema.  Uma vez que o filme ficou em cartaz por um período, o filme saía do circuito… para nunca mais ser visto.  Numa segunda época, com 

o advento da televisão, houve uma segunda oportunidade para se ver o filme: vejo na sala

de cinema ou vejo em casa… a sala de cinema é um evento: sair de casa, se arrumar, ter

um jantar, nem todo mundo ia ao cinema todos os dias. A televisão estava ali, disponível.

Mas o problema continuava: uma vez ‘exibido’ ou ‘transmitido’ o filme não estava mais

disponível, não vendia mais.  Os anos 70-80 viram uma nova mudança nos padrões de consumo

quando surgiram aparelhos que reproduziam os filmes – video, dvd…- permitindo que os filmes

não mais ‘desaparecessem’ e ficassem ‘na prateleira’ esperando por você.

Finalmente com a internet e a solução de streaming e de códigos, temos hoje muitas outras 

oportunidades para achar e assistir aos filmes.

E de uma certa forma, antes como hoje, a expectativa de que o filme seja assistido,

consumido, distribuído e comprado é o que determina o quanto de investimento o projeto

é capaz de atrair.  Hoje há uma relação mais evidente entre a proposta criativa 

e o resultado que pode ser projetado.


A avaliação de produtos filme no negócio de entretenimento do mercado internacional de cinema é uma ciência exata.  Alguns técnicos no território dos Estados Unidos chegam a projetar – com pequena margem de erro – uma estimativa de venda de ingressos nas salas de cinema, a partir dos resultados do box office da bilheteria do primeiro fim de semana de exibição de um dado lançamento em estréia.


Variety, Hollywood Reporter e Screen International são as principais revistas do meio. Trazem codificadas informações do aspecto business e a sua leitura depende  de compreensão de termos normalmente usados em contratos, palavras chaves que são abreviadas, referências a sucessos e fracassos de bilheteria.


Premiére e outras revistas, tratam de divulgar futuros lançamentos, são mais veículos de prestígio, noticiando o lado chique do cinema: matérias pagas com endereço certo, acrescentando interesse a películas que serão exibidas num cinema perto de você.


Os principais encontros de comerciantes de cinema se dão nos Mercados:


1.    American Film Market (AFM) nos EUA, mas o preço de admissão gira em torno de quase US$ 100 mil, entre várias despesas de aluguel de sala, exibição, divulgação; e responsável por negócios no mercado da América do Norte

(EUA e Canadá), principalmente.


2.    Cannes – subsolo do festival, na França, mas de acordo com relatos de vários viajantes, é de uma organização muito espalhada por vários lugares, hotéis e festas –  o que dificulta encontros, mas que também é responsável por  negócios para o mercado Europeu, principalmente.


Nos encontros do mercado internacional, os operadores do mercado  – compradores e vendedores de filme, agentes, produtores, distribuidores, exibidores, diretores de aquisição de tvs – são amigos (entre eles): se reconhecem trocando acenos, presentes, cortesias.  Marcam de continuar a conversa no próximo festival, às vezes a dois oceanos de distância.


O mundo deles está dividido em territórios, que correspondem a blocos de países, a países individuais, e a regiões em que se fala o mesmo idioma. Territórios definidos por custos de dublagem demarcados em contratos.


O maior e principal território é a América do Norte: os Estados Unidos e Canadá correspondem à 50% da receita mundial do mercado cinematográfico.  Em segundo lugar vem a Inglaterra e Irlanda; então Austrália/Nova Zelândia;

Europa, Japão, Ásia e finalmente a América do Sul e a África.  O que quer dizer que um filme se vende caro na América do Norte e barato na África: o lucro do produtor resulta das somas das vendas no próprio país e no total de vendas no mundo afora.


Produções em inglês tem acesso facilitado ao mercado anglo-saxão, que culturalmente não gosta de subtítulos e são de longe os territórios mais rentáveis e que pagam melhor por filmes.


No mercado todos são profissionais: com poucos minutos de projeção de um filme são capazes de fazer uma estimativa muito próxima do verdadeiro custo de produção de um filme, independente do custo anunciado.


O custo real de um filme interfere muito pouco na sua venda, porque a cotação de um filme vai depender do interesse potencial que vai gerar no público-alvo a que se destina.


Portanto, um filme com um público-alvo indefinido ou exagerado (isto é todo mundo) vai atrair menos interesse na compra por filmes para serem exibidos num canal específico de televisão de tarde depois do almoço.


Contrário à crença nos orçamentos de filmes multimilionários 35-45% de todos os longa-metragens produzidos  nos último ano tiveram orçamentos inferiores  a US$ 1 milhão, e aproximadamente 15-20% de todos os filmes produzidos custam menos de US$ 300 mil.


Em Londres, as pessoas que conheci se apresentavam assim:  “oi, sou fulano, estou trabalhando num filme de ação e aventura que pode passar na Globo antes do Faustão no domingo…  é a história de um garoto que resolve salvar um panda de uns caçadores no meio das montanhas na China, e vai custar menos de um milhão de dólares, os pré-adolescentes vão adorar !”


Outros festivais pequenos oferecem a mera exibição de filmes ‘menores’ sem divulgação mundial nem distribuidores de grande peso, propondo a possibilidade, ao público que os freqüenta a ‘descoberta’ de um filme que seja bom e diferente.


Assim nasce uma estratégia alternativa, numa rota secundária para chamar a atenção de compradores e agentes de comercialização de filmes, oferecendo ‘uma resposta de público’ durante o festival como comprovação de que o título tem um alcance comercial ‘alternativo’ diferente do mainstream e que pode vir a dar um lucro substancial se for distribuído em ‘nichos’ de público.


Os empresários no Brasil que quiserem entrar no negócio do cinema precisam perceber que ter um público-alvo perfeitamente delineado no escopo de sua narrativa visual é melhor para os negócios em tempos de multiplicação de nichos de púlico.  É importante entender que acessar um conjunto de tipos de pessoas e de seus tipos de interesse, na nossa época em que as redes sociais estão começando a ser verdadeiros pontos de encontro, permitem que se façam estimativas, projeções de vendas de ingressos, de DVDs, de acessos… números que são sempre atraentes e que ajudam a dirimir dúvidas quanto a se investir num filme.


Um bom roteiro é a essência de um bom filme.  Bons roteiros mal filmados fazem filmes razoáveis, mas maus roteiros nunca fazem bons filmes.  Um bom roteiro, além de contar muito bem uma história interessante,  que não perde de vista o entretenimento, deve ser também um excelente mapa de filmagem.


Um roteiro de cinema que não descreve e indica imagens a serem produzidas, é ruim.


Cinema e televisão envolvem imagens, são tecnologias que contam histórias com imagens.  Lembre-se de que se os espectadores quisessem ouvir diálogos longos, estariam ligando o rádio, e se quisessem receber momentos de literatura, estariam lendo livros.  Todo mundo, absolutamente todo mundo em Hollywood pensa que pode escrever roteiros. Todos podem dizer que escrevem roteiros.


Poucos efetivamente são capazes de escrever roteiros que planejam bons filmes. Porque não se trata apenas de ordenar uma série de acontecimentos que interrompem  o caminho do personagem principal: se trata de construir planos para o espectador viver uma experiência na sala de cinema.


O medo e o receio que o filme finalizado “não vá a lugar nenhum” ou que “não vá atrair um público” (que não foi pré-determinado como alvo) faz a aventura cinematográfica um pouco mais arriscada do que poderia ser, e assim os investidores – sem ferramentas para analisar o processo de escrita de roteiro e de produção – são levados a retirar do empreendimento-filme apenas descontos para impostos.


Produções de filme que começam com roteiros incompletos, vão exigir a improvisação criativa dos participantes do processo.


A maravilhosa habilidade de improvisar do brasileiro, infelizmente, é levada a extremos impossíveis e se torna insuficiente para salvar um mau roteiro.  E assim, os produtores, atores, fotógrafos e diretores saem  “procurando o filme” enquanto gastam tempo e dinheiro que poderia ser melhor aproveitado na construção de melhores cenários, no uso de recursos técnicos mais sofisticados e exatos, ou melhorar a qualidade da trilha sonora do filme.


É função do “produtor criativo” aumentar investimentos na área de desenvolvimento e escrita de roteiros, explore totalmente o potencial dramático da história e enriquecer seu diálogo entre os investidores e o público.


O desenvolvimento de roteiros é o que faz ou quebra um filme.  Existe todo um universo de lucros a serem recolhidos no mercado internacional, mediante um extremo cuidado com as necessidades de histórias que “cruzem fronteiras culturais”.


“Ficção vibrante está no coração da nossa mídia e da nossa sociedade.  Produções de filmes poderosos provocam excitação, que gera ondas de consumo por toda a sociedade.


Uma sociedade incapaz de produzir ficção que toque seus elementos comuns se torna economicamente mais fraca.

Se formos viver a realidade presente, precisamos criar nossos próprios mitos”.


Martin Dale em Europa, Europa – 1992; adaptado, Roman Bruni.] 2011